“Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar”.
Estou numa onda de redescobrimento - não, espera - descobrimento mesmo, do que fez surgir a música que hoje conhecemos como manguebeat. Nunca deixei de ouvir CSNZ ou o trabalho pós-Chico Science feito pela Nação Zumbi, uma das melhores bandas que temos por aqui, desde sempre. Mas precisava de um chá de imersão nessa onda de novo, como uma forma de entender o que aconteceu e de redescobrir outros elementos do movimento - vá lá, mas eles não consideravam o que faziam dessa forma, pelo menos não no início.
E essa descoberta veio, principalmente, com a leitura (ainda inacabada) da excelente biografia escrita pelo José Telles (Belas Letras):

O livro é delicioso de ler e a gente acaba por perdoar algumas falhas de revisão. O mais importante aqui é que é extremamente informativo e permite ao leitor entender mesmo o que era a cidade de Recife naquela época e o que levou a rapaziada a buscar uma nova forma de expressão através, principalmente, da música. Já tive que interromper a leitura várias vezes para ouvir de novo uma faixa, ou para assistir a um documentário sugerido ali: “Caranguejo Elétrico”, co-roteirizado pelo próprio José Telles e disponível no You Tube.
Importante frisar para os desavisados que CSNZ não foi a única banda/artista a surgir dali. Tão importante quanto, e essencial para a definição do que seria a música “mangue”, Fred 04 e seu Mundo Livre S/A. Desta surgiu ainda Otto. E, antes deles todos, Lenine já tentava dar uma cara nova para a música feita na região.
O “ânimo” que imperava na cidade naqueles últimos anos da década de 80, início da década de 90, não podia ser pior. Considerada a quarta pior cidade do mundo para se viver, não era de se admirar que o moral andava baixo por lá. E a molecada enchendo a cabeça de heavy metal e outros leros, esperando chegar o carnaval pra esquecer todas as mazelas com que tinham que conviver pelo resto do ano todo.
Acho que não houve banda ou artista no Brasil que tenha conseguido o que CSNZ conseguiu: logo após do lançamento de seu disco de estreia “Da Lama Ao Caos” já estavam excursionando no exterior, dos EUA ao Japão. Mal tinham lançado o disco e já estavam no palco em festival no Central Park, na companhia de ninguém menos que Gilberto Gil, desde sempre fã do trabalho deles. E, logo em seguida, “Da Lama Ao Caos” foi lançado (e não somente importado) nos Estados Unidos, Europa e Japão.
Emendaram o sucesso inicial com o ótimo - mas não tão bom quanto o primeiro, perpetuando a praga do segundo disco - “Afrociberdelia”.
Aqui os rapazes, já sob uma certa pressão, e cheios de animação e grana da gravadora, embarcaram na sequência - e estouraram o orçamento - desta feita sem Liminha, com Eduardo Bid na produção. Havia queixas sobre a produção de Liminha, mas nunca houve “sangue ruim” entre eles. Liminha declara para quem quiser ouvir que tem muito orgulho de ter feito parte da história do grupo, produzindo esse que é um dos lançamentos mais importantes da história da música brasileira.
Eu, como muita gente à época, senti muito a morte de Chico. Criou-se um vazio que parecia impossível de preencher. Toda a alegria e o furor causado em anos anteriores, de repente virariam fumaça? Haveria futuro para a Nação Zumbi sem Chico? Lembro-me de chegar no trabalho e um amigo comentar que tinha morrido um cantor, Chico não-sei-o-quê. Fiquei meio assim, arrisquei, Chico César? Não era. Era Science mesmo. Fiquei muito triste.
Quando ouvi o “Da Lama Ao Caos” pela primeira vez, numa loja de discos de Brasília, não curti. Estava ouvindo outros tipos de coisa na época e não vi qual era o auê em torno deles. Como me arrependo…Tempos depois, ouvi o disco na companhia do meu irmão e foi uma revelação. Virei fã incondicional. Recebi com surpresa e contentamento o primeiro disco pós-Chico Science, conhecido hoje simplesmente como “CSNZ”:
Este disco contém uma faixa nova “Malungo”, homenagem que conta com a participação de diversos artistas. O restante das faixas são remixes e outras sobras.
“Rádio S.amb.A” traz pela primeira vez Jorge dü Peixe completamente à frente do grupo, nos vocais. A estranheza logo deu lugar a um frescor de que se aproveitou a banda nos anos seguintes. Faltava a verve de Chico Science, mas dü Peixe fez parte do movimento desde sempre, compartilhando com Chico as ideias musicais que foram se amalgamando ao longo do processo.
Mais recentemente, a Nação sofre outra perda com a saída do guitarrista Lúcia Maia, ocupado com outros projetos, principalmente no cinema.
Mas, ouvindo as músicas novamente, e assistindo a shows de TV e documentários, dá para entender o apelo que ainda hoje persiste na música feita pelos mangueboys. Novo, energético, avesso a rótulos. Bom lembrar que, quando ainda tentavam definir as misturas que entrariam no som que queriam fazer, Chico, Fred, Jorge e outros, concordaram que o que estavam fazendo seria chamado simplesmente de “mangue” (termo escolhido por Science). O “manguebit” ou “manguebeat” como ficou conhecido, foi cunhado pela imprensa local, na ânsia de criar algo mais facilmente identificável pelo público em geral. Na minha opinião, “mangue” ainda é um termo melhor.
“Viva Zapata. Viva Sandino. Viva Zumbi. Antônio Conselheiro, todos os panteras negras, Lampião sua imagem e semelhança. Eu tenho certeza, como Chico, eles também cantaram um dia.”